Há algum tempo, enquanto deixava minha filha na escolinha, fui interpelado pela dona da escola. Por saber do meu cargo no órgão gestor do trânsito da cidade, ela me questionou o que poderia ser feito a respeito de alguns conflitos que estavam havendo com a moradora da casa ao lado da instituição de ensino infantil. Basicamente estava ocorrendo que alguns pais, enquanto iam deixar ou buscar seus filhos na escolinha, deixavam seus veículos em frente a saída da garagem da moradora. Alguns, muito em função da largura da via e pelo trânsito de ônibus e caminhões, estacionavam com metade do carro sobre a calçada. A moradora, obviamente sentindo-se desrespeitada, foi cobrar a dona da escolinha que tomasse providências.
Até aí, tudo bem. O problema é que, além de a moradora, segundo a dona da escolinha, por vezes entrar escolinha adentro, com dedo em riste atrás dos pais e desrespeitá-los, começou a utilizar das redes sociais para denegrir a imagem da escola por esses conflitos. Minha resposta ao seu questionamento sobre o que ser feito a respeito foi de que a escola em si pouco ou nada teria a fazer. No máximo emitir avisos solicitando que não utilizassem aquela área para embarque e desembarque dos filhos, uma vez que a escola não tem nenhuma ingerência daquilo que os pais fazem no lado de fora da escola.
Alguns dias depois, ao buscar minha filha no final da tarde, me deparo com a seguinte cena: na entrada da escolinha está um pai, aparentemente esperando seu filho, em meio a um relato e com um ar extremamente queixoso. Não pude acompanhar o início da narrativa, mas, pelos fragmentos da história, deduzi se tratar, supostamente, da venda de um veículo, pois em meio aos retalhos de conversa, me chamaram a atenção termos como transferência, multa e pagamento. Logo, inferi que a pessoa em questão havia vendido um carro e, apenas na hora da transferência, se deu conta de que existiam multas em atraso atreladas ao veículo.
Assim como um padeiro, que passa o dia inteiro amassando pão, quando chega em casa não quer nem ouvir falar de pão, procurei me manter neutro quanto ao assunto. Até o momento em que o provável pai emite a seguinte pérola à dona da instituição: “…quando fui ver o que era, era uma multa por não ter dado o pisca (sinal indicador de direção)! Eles estão multando até isso agora?!”. Nesse instante, a dona da escolinha me olha sorrindo e lança um olhar de sarcasmo, dizendo para o pai: “Ele que pode te responder isso, ele trabalha na EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação)!”. Como meu sinal de silêncio, com o indicador junto aos lábios, fora ignorado, me ative a sorrir de volta, como quem leva o assunto na brincadeira.
Nem assim, na presença de um azulzinho (alcunha utilizada pela população porto-alegrense para referir-se aos agentes da EPTC em função da cor do uniforme), ele se conteve e seguiu verborrágico dizendo: “É impossível eu ter sido multado por isso… quando faço uma conversão já dou o sinal quase automaticamente! O pior é que, só depois, fui ver que o problema foi que a luz do pisca é que estava queimada… ou seja, muita sacanagem! Afinal, o sinal eu dei, não tenho culpa se ele não estava funcionando!”
Passado o ímpeto de responder, me ative a cumprimentá-los e dirigir-me à saída, pensando comigo mesmo: Teria esse suposto pai aceitado a mesma justificativa de um condutor que, em um hipotético atropelamento, tirasse a vida do seu filho, mas dissesse: “Olha meu senhor… eu até freei, o problema é que o freio não funcionou…”, será?
O CTB é bastante claro quando atribui ao condutor a responsabilidade pelas condições de conservação do veículo, prevendo, inclusive, multa para quem conduzir qualquer veículo que ponha em risco a segurança viária. Em terras onde a velocidade do condutor autuado não é questionada, mas sim a visibilidade do agente autuador, vale a boa e velha máxima daquele grande “filósofo” contemporâneo, Homer Simpson, que diz: A culpa é minha, eu coloco ela em quem eu quiser!
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