Há algum tempo, compartilhei nas minhas redes sociais uma imagem no mínimo curiosa . Nela, a planta baixa de uma residência aparentemente normal, não fosse pelo automóvel confortavelmente acomodado na garagem de amplas proporções e bem no centro do projeto. Impossível não fazer uma relação com a centralidade e o espaço utilizado para esse modal nas cidades modernas.
Os carros ocupam muito mais espaço para atender a pouco mais que uma fração do total de viagens, sendo que a maior parte das viagens de carro atendem somente a 1 ou 2 passageiros. Segundo a Confederação Nacional de Transportes (CNT), os automóveis – apesar de transportarem cerca de 20% dos passageiros – ocupam 60% das vias públicas, enquanto ônibus – que transportam 70% dos passageiros – ocupa 25% do espaço viário nas grandes cidades brasileiras.
Embora os congestionamentos causados pelos veículos possa parecer um fenômeno exclusivo de grandes centros urbanos modernos, Roma antiga já sofria enormes congestionamentos. Tanto que César proibiu o trânsito de carroças e carruagens em toda a cidade. As carruagens só podiam circular após as três da tarde. Exceções eram concedidas para o transporte de materiais dos templos dos deuses. Hoje em dia também abrimos "algumas" exceções para nossos deuses atuais, não?
Ainda que diversas cidades mundo a fora, como Oslo (Noruega), Nova York (Estados Unidos), Bogotá (Colômbia), Hamburgo (Alemanha) e Copenhague (Dinamarca), por exemplo, venham restringindo cada vez mais a utilização de carros particulares e estimulando o uso de meios de transportes públicos ou ativos, como bicicleta ou mesmo a caminhada, essa parece ser uma política que ainda levará muito tempo para ser vista por aqui...
Recentemente, pesquisava na internet a área necessária para a instalação de um elevador residencial, pensando em escrever sobre o impacto para um prédio de seis apartamentos por andar, no que diz respeito ao espaço necessário, caso cada uma dessas seis unidades tivesse seu próprio elevador (ou mais de um, como acontece com os carros em muitas famílias). Tão grande quanto a minha surpresa ao encontrar a planta baixa já citada foi ler sobre uma tecnologia chamada Skydrive.
Imagine chegar na garagem do seu edifício e, ao invés de deixar seu carro no estacionamento no subsolo, subir com ele de elevador e estacioná-lo junto à sala de estar do seu próprio apartamento. Isso será possível àqueles que adquirirem uma das unidades do Edge, um empreendimento que está previsto para 2025 em Fortaleza (CE). Além do elevador exclusivo para veículos, o empreendimento contará com outros três elevadores, sendo dois sociais e mais um de serviço.
Além da vaga dentro do apartamento, cada unidade dispõe de outras 4 vagas na garagem, além de 4 suítes em 362 m². Para contar com toda esse conforto e comodidade, os futuros proprietários terão que desembolsar a mísera quantia de pouco mais de 5 milhões de reais!
A expressão "humanizar o trânsito", assim como é entendida e amplamente utilizada (a qual me incomoda profundamente), diz respeito ao processo de tornar o trânsito um espaço mais calmo, ameno e civilizado. Entretanto, pode ser também entendida como priorizar o trânsito de seres humanos em detrimento aos veículos. A partir desse ponto de vista, considerando o espaço que os carros têm não apenas nas nossas cidades, mas nas nossas casas, apartamentos, enfim, em nossas vidas, tomando status de um membro da família, com direito a um cômodo especial, um elevador privativo e, muitas vezes tendo até mesmo um nome de batismo, já não temos um trânsito de fato humanizado?
Minha intenção aqui, de forma alguma, é demonizar a utilização de automóveis. Muito pelo contrário. Entendo que, assim como outros inventos, como o fogo e a roda, transformaram sensivelmente a nossa sociedade. No entanto, (ainda) não tenho conhecimento de nenhum projeto de empreendimento que preveja uma cozinha à parte, especialmente para o fogão... E para não me estender em demasia, assim como iniciei o texto, deixo uma outra postagem que expressa de forma sucinta exatamente a minha posição quanto a utilização do automóvel:
Tem interesse pelo assunto? Gostaria de ler mais textos como esse? Então adquira agora o meu livro!
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