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QUANDO MÁQUINAS VALEM MAIS QUE PESSOAS

QUANDO MÁQUINAS VALEM MAIS QUE PESSOAS


No trânsito das grandes cidades, há imagens que dizem mais do que mil palavras. Uma delas presenciei recentemente enquanto ia para o trabalho de ônibus: o contraste gritante entre um caminhão-cegonha carregado de carros novos e um ônibus lotado de trabalhadores a caminho do serviço. Um reluz, chamando atenção pelo brilho da lataria impecável; o outro segue seu percurso, pesado não apenas pelo excesso de passageiros, mas pelo peso invisível da indiferença social.

Sentado num daqueles bancos voltados para trás, pude assistir de camarote o momento exato em que o ônibus, pelo corredor exclusivo, ultrapassou o caminhão cegonha, fazendo uma onda de cabeças girarem para trás. Dezenas de olhos sonhadores acompanharam o caminhão pela janela, como que a assistirem a uma top model na passarela de um desfile de moda.


Os carros no alto da cegonha são vistos como tesouros, tratados com extremo cuidado, cobertos por plásticos protetores e, muitas vezes, até segurados contra qualquer dano antes mesmo de rodarem um único quilômetro. Já os trabalhadores espremidos dentro do ônibus são tratados como peças descartáveis do sistema. Sem conforto, sem espaço, sem a dignidade que merecem. Como se fossem menos valiosos que as máquinas que ajudam a produzir e se endividam para consumir.

Essa cena nos leva a uma pergunta desconfortável: por que nossa sociedade parece atribuir mais valor a bens materiais do que às pessoas que realmente movem o mundo? Por que a chegada de novos automóveis desperta mais admiração do que a luta diária daqueles que enfrentam horas em transportes públicos precários para garantir o funcionamento da cidade?

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Não há nada de errado em apreciar carros. O problema está na distorção daquilo que realmente deveria ser valorizado. Investimos bilhões em rodovias para facilitar o trânsito de mercadorias e automóveis, mas relutamos em garantir transporte público decente. Celebramos os lançamentos da indústria automobilística, mas ignoramos o aperto, o cansaço e a exaustão dos que dependem de ônibus e trens superlotados.

E se a lógica fosse invertida? Se os trabalhadores fossem tratados com o mesmo zelo dispensado aos veículos novos? Se os ônibus fossem tão bem projetados e confortáveis quanto os carros que nos encantam nas propagandas? Se as pessoas fossem vistas como o verdadeiro motor da sociedade, e não apenas como passageiros invisíveis de um sistema que insiste em colocá-las no banco de trás?

No fim das contas, a grande questão não é sobre carros ou ônibus. É sobre o que escolhemos valorizar. Talvez, um dia, possamos olhar para o trânsito e ver menos desigualdade sobre rodas e mais respeito pela dignidade humana. Até lá, seguimos como estamos: admirando a cegonha, ignorando o ônibus e fingindo que não há nada de errado numa sociedade onde máquinas valem mais que pessoas.


 

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