PEDESTRE E O GAME DA VIDA DIÁRIA
- Rodrigo Vargas
- 1 de jun. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de jun. de 2024

Recentemente, fui agraciado com uma daquelas belas coincidências que a vida nos presenteia volta e meia. Ao chegar no trabalho, fui escalado para acompanhar outros dois colegas em uma ação, na qual, através de uma parceria com uma universidade, foi criado um jogo eletrônico sobre educação para o trânsito. Na ocasião, alunos da rede municipal de ensino foram convidados para visitarem o campus da universidade e testarem o jogo em questão.
“Ok, Rodrigo. Mas qual foi a coincidência?!” – você pode estar se perguntando.
Naquele dia amanhecera chovendo e, por esse motivo, não pude ir de bike para o trabalho, como de costume. Enquanto caminhava na companhia de um velho guarda-chuva, me peguei calculando os próximos passos. E, entre um salto e outro em torno das poças que se formavam nas imperfeições do calçamento, me senti o próprio protagonista de um jogo de Campo Minado. Além, é óbvio, da atenção despendida com as lajotas soltas, buracos e poças de lama, nos quais estamos passíveis de um escorregão e até mesmo um tombo.
Parecendo uma mistura bizarra de dançarino de balé com frevo, assim que terminei uma sequência de saltos fui forçado a dar meia volta e seguir pela beirada da rua, pois uma poça de lama cobria completamente a calçada de uma praça. Foi quando percebi outro desafio iminente: uma bela quantidade de água se encontrava empoçada alguns metros a frente, apenas esperando um pedestre desatento passar para ser lançada como um enorme tsunami sobre sua cabeça pelo primeiro veículo que passar sobre ela. E ao pensar nessa cena, me imaginei novamente como um protagonista de um jogo, mas dessa vez surfando nos jogos de verão do Califórnia Games.
E mal a minha “onda” termina, já me vejo diante de uma nova fase desse game frenético. Porém, após toda a emoção, essa é uma fase de resistência e, sobretudo, paciência. Muita paciência (diga-se de passagem) é necessária para esperar até que uma alma caridosa resolva parar seu veículo para que eu possa atravessar com segurança a faixa de pedestres.
Enquanto aguardo, lembro da minha sorte de poder, apesar de todos esses percalços, ir para o trabalho diariamente a pé. A grande maioria passa por desafios bem maiores e mais extensos. É o caso daqueles que dependem de transporte público para tais deslocamentos. Jogadores que, além de todos essas lutas, ainda se vêem frequentemente como uma espécie de Sonic, correndo até a parada para não perderem seus ônibus. E que, depois do embarque, precisam se deslocar numa espécie de Pitfall pelos balaústres dos ônibus superlotados, desviando dos demais passageiros para conseguirem chegar até a porta de saída.
Mas logo sou despertado dos meus devaneios por uma buzina, como a me lembrar que, nesse Jogo de Paciência, quem dá as cartas não é o pedestre. É nesse exato momento que percebo estar diante do derradeiro desafio. A fase mais difícil e perigosa de todas, na qual se encontra o chefão do jogo. Em face da espera que parece não ter fim, tento uma jogada que, pode não ser a mais segura, mas certamente é a mais utilizada pela maioria dos jogadores. E como a galinha no jogo Freeway, me lanço em meio aos veículos tentando chegar ao lado oposto da via.
Segundo dados do OBSERVAMOB DA EPTC, das 72 mortes no trânsito ocorridas durante o ano de 2021 em Porto Alegre, 22 (mais de 30%) foram de pedestres, todos por atropelamento. E dessas 22 vítimas, 12 tinham mais de 60 anos (problema já mencionado em outro artigo).
Vale lembrar que, ainda que a vida de um pedestre em um grande centro urbano possa ser comparada a um grande desafio de videogame, após o game over nenhuma dessas 22 pessoas tinha vidas extras, password nem puderam dar um continue.
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