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HETEROCROMIA URBANA: O TRÂNSITO COMO REFLEXO DE NÓS MESMOS

HETEROCROMIA URBANA: O TRÂNSITO COMO REFLEXO DE NÓS MESMOS


Outro dia, parado no trânsito da cidade, um detalhe inusitado me chamou a atenção: o carro ao lado rodava com os faróis assimétricos — um projetava luz branca intensa, o outro, amarelada e suave. Aquela pequena desarmonia visual me fez lembrar, curiosamente, da heterocromia, condição em que uma pessoa apresenta olhos de cores diferentes. Um toque de singularidade na biologia humana. Uma espécie de “poesia genética”.

Mas no trânsito, essas pequenas assimetrias nem sempre são poéticas.


Heterocromia, etimologicamente, significa “cores diferentes”. E é disso que muitas vezes se trata a mobilidade urbana: de uma colcha de retalhos de intenções, prioridades, posturas e políticas que nem sempre conversam entre si. Assim como o carro com faróis desiguais ilumina o caminho de maneira desigual, nós também, como sociedade, lançamos olhares díspares sobre o trânsito.

Enquanto alguns enxergam o espaço público como lugar de pressa e performance, outros o vivem como risco e sobrevivência. Há quem veja no volante um símbolo de poder. Outros, uma arma. A sinalização aponta um caminho; o comportamento insiste em outro. E assim seguimos — com um olho na lei, outro no improviso.

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Essa “heterocromia social” que marca o trânsito nos revela mais do que gostamos de admitir: as diferenças de percepção, a ausência de empatia, a dificuldade de convergência em torno de valores comuns, como o respeito à vida. No fundo, o problema não está nos faróis, mas em quem os acende.

Talvez esteja na hora de pensarmos: que tipo de luz temos emitido quando ocupamos o espaço público? Nossos faróis — simbólicos ou reais — iluminam o coletivo ou apenas o nosso próprio caminho? Enxergamos a mobilidade com clareza ou com os olhos embaçados por hábitos e crenças que perpetuam a violência viária?

Se a heterocromia nos olhos pode ser natural e até fascinante, no trânsito ela se torna um alerta. Porque quando cada um enxerga a estrada de um jeito, a chance de colisão — de ideias, de condutas e de vidas — aumenta.

Talvez o desafio seja esse: alinhar os faróis. Ou melhor, alinhar os olhares.


 

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