Você certamente já ouviu ou já disse aquela frase de Michel Foucault “de médico e de louco todo mundo tem um pouco”. Quem ousa duvidar? Quem nunca se auto medicou ou indicou uma medicação para alguém? Quem nunca extrapolou suas emoções perdendo o controle ou a razão?
Penso que o que sustenta a ideia de ser médico seja a tendência de querer auxiliar ou ainda o desejo de acreditar que se possa fazer algo frente as agruras da vida. E de louco, a perplexidade de cada um frente as emoções e o quanto elas, por vezes, invadem e impulsionam a fazer tanta coisa que em sã consciência, jamais seria feita.
E de especialista do trânsito? Bem, quem nunca avaliou o “outro” no trânsito? Quem nunca julgou a atitude de alguém no trânsito? Quantas vezes escutamos fórmulas perfeitas e irretocáveis para que “o outro” respeite e aja com menor risco no trânsito? Além disso, quantas vezes a opinião segue para questões mais amplas como eficácia das multas, leis, estado de conservação das vias e rodovias, campanhas educativas ou falta delas, falta de investimentos e tantos outros procedimentos adequados ou inadequados nesta área?
O trânsito, por ser um espaço utilizado diariamente, por todas as pessoas, acaba sendo um assunto convidativo para opiniões e muitas vezes é pauta comum nas rodas de conversas.
Convocamos então o psicólogo do trânsito que, a priopri, é o especialista que deveria se dedicar na compreensão de todos os comportamentos e fenômenos que ocorrem no espaço do trânsito/mobilidade. A palavra mobilidade visa destacar a inclusão de todas as formas de deslocamento e de acessibilidade e não se restringir ao estudo e avaliação somente dos condutores (mais focado no trânsito) como fez por tanto tempo. Então, tudo o que se refere à mobilidade deveria ser objeto de estudo da Psicologia do Trânsito ou Psicologia do Tráfego para ser mais atual.
Para emitir um parecer sobre o comportamento que identificamos nas ruas, esquinas, avenidas e cidades é necessário um olhar minucioso para o individual, o subjetivo, mas também para o social. A mobilidade presente em cada deslocamento envolve todas as pessoas independente de sua idade, classe social, escolaridade e modal de deslocamento. Nesse sentindo temos cada ser humano com sua história de vida, experiências, desenvolvimento, singularidade, o que faz ficar atento ao individual mas ao mesmo tempo identificar que o seu comportamento é também mais do que isso. É uma matemática na qual um mais um não é dois, vai muito além, é entrelaçada com os outros indivíduos, com a cultura, valores, ética, numa sociedade na qual influenciamos e somos influenciados, dia a dia, o tempo todo.
O que não nos falta neste cenário são desafios: a imensidão de pessoas que perdem a vida, os congestionamentos que acionam diferentes emoções, o descontrole emocional que fica evidente na forma de brigas, que podem chegar à morte, os riscos que estão ao alcance de todos, o tempo que passa rapidamente e que não se tem controle. Aliás a tentativa de controle é algo marcante nas pessoas, e quantas vezes se quer acreditar que controla o trânsito? E cada um, na sua ilusão imagina controlar o que é incontrolável, o tempo, as reações, os planejamentos, os percursos...tentando garantir previsibilidades em um sistema no qual a característica principal é a imprevisibilidade.
E, como tornar o deslocamento diário um espaço mais saudável? Seria possível atingir um nível de maior controle sobre o seu próprio comportamento? Talvez, se estivéssemos disponíveis a aceitar as falhas, a necessidade de mudança, a urgência de termos efetivamente “especialistas” se dedicando a este tema complexo, que ao mesmo tempo grita para ser alvo de cuidado, estudo e dedicação. Utópico? Talvez, mas enquanto isso não se efetiva, seguimos sem medo de errar: de médico, de louco e de especialista em trânsito, todo mundo tem um pouco. Concorda?
Uma reflexão pertinente sobre como todos desempenhamos diferentes papéis no trânsito. É crucial reconhecer a complexidade e a necessidade de especialistas para tornar nosso deslocamento mais seguro e saudável.
Absolutamente coerente, de fato é preciso um autopoliciamento constante e não ser "juiz de tráfego". Crônica interessante Professora Aurinez. 🤔