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COMPORTAMENTO AUTODESTRUTIVO: VALE A PENA MORRER POR UMA BICICLETA?

COMPORTAMENTO AUTODESTRUTIVO: VALE A PENA MORRER POR UMA BICICLETA?


Recentemente, participei como jurado em um julgamento que me deixou um gosto amargo de inquietação. Um rapaz de 27 anos foi alvejado por um bombeiro militar após avançar sobre ele durante uma tentativa de imobilização. O motivo inicial era uma discussão acalorada com o síndico do prédio por conta do furto de sua bicicleta. A abordagem durou longos vinte minutos, com ordens sendo desobedecidas, aproximações constantes e crescente tensão. O primeiro tiro veio pouco antes da chegada da polícia. O segundo, logo em seguida. O rapaz sobreviveu, mas após meses de internação, recusa de tratamento, resistência aos cuidados e episódios de agressividade hospitalar, acabou falecendo em decorrência de uma infecção.

O júri foi técnico, dentro dos limites da lei. Mas o silêncio gritante daquela história parecia dizer algo mais: será que aquele jovem estava tentando morrer?


Esse episódio me remeteu a tantos outros que escuto, leio ou analiso no campo da psicologia do trânsito. Pessoas que se lançam na frente de carros, que atravessam rodovias movimentadas ignorando passarelas, que caminham entre faixas sem sequer olhar para o lado. Seriam apenas distraídos? Pressa? Imprudência?

Às vezes, sim. Mas nem sempre.

A psicologia já estuda há algum tempo o fenômeno do suicídio indireto — aquele que não se anuncia com cartas ou bilhetes, mas com gestos, com omissões, com silêncios. Não é o ato consciente de quem quer morrer, mas o comportamento recorrente de quem já não vê mais sentido em viver. Gente que parece dizer: “Se acontecer, aconteceu.”

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É o que vemos em muitos acidentes de trânsito — e também fora deles. A pessoa não se mata, mas permite ser morta pela própria negligência com a própria vida. Ou melhor: pelo excesso de dor, impulsividade, solidão ou desamparo que a impede de zelar por si.

Em algumas investigações de atropelamentos fatais, os motoristas relatam: “Ele se jogou na frente.” “Não tentou escapar.” “Olhou pra mim e veio.” Em outros, os pedestres estavam sob efeito de álcool, ou simplesmente ignoraram a sinalização, mesmo com passarelas a poucos metros. A pressa não explica tudo. O sofrimento sim.

Seja em avenidas ou corredores hospitalares, o comportamento autodestrutivo, de quem se autossabota, desafia a morte ou recusa o cuidado pode estar sinalizando um pedido desesperado de ajuda. Mas quem escuta esses sinais? Quem lê esses corpos?

No tribunal, avalia-se o que está nos autos. Mas na sociedade, no trânsito e na vida, precisamos aprender a ver o invisível: a dor que grita sem voz, os atos que se repetem em ciclos autodestrutivos, os sujeitos que carregam bombas-relógio de sofrimento nas costas.

Aquele rapaz, assim como tantos que morrem nos asfaltos da cidade, talvez não quisesse morrer. Mas também não fazia questão de viver. É nesse espaço ambíguo que a psicologia precisa entrar. Não para absolver nem julgar, mas para compreender. E talvez, com isso, prevenir.


 

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