Minha esposa é gerente em uma rede de óticas porto-alegrense. Assim como muitos comerciários, ela é comissionada pelas suas vendas. Além das comissões e do seu salário fixo, ela ainda recebe algumas premiações sobre algumas vendas e quando alcança a meta da loja. No entanto, essa meta é estipulada pelo proprietário da rede e nem sempre corresponde a um valor razoável, tornando-a assim praticamente inalcançável.
Existem na psicologia comportamental, ou behaviorismo, algumas premissas que falam a respeito da modelagem comportamental, chamadas de reforço ou estímulo reforçador. Segundo essas premissas, o reforço pode ser positivo ou negativo. Perceba que isso em nada tem a ver com a qualidade do estímulo, ou seja, não quer dizer que o reforço é bom ou ruim, mas sim a adição ou subtração de um estímulo. Sendo assim, o reforço positivo aumenta a probabilidade de um determinado comportamento através da adição de uma recompensa. Usando o exemplo da minha esposa, onde, esperando que seus vendedores demonstrem maior empenho nas suas vendas, o dono da rede oferece premiações para recompensar àqueles que alcançarem as metas por ele estipuladas.
Já o reforço negativo também aumenta a probabilidade de um determinado comportamento, porém pela retirada de um estímulo aversivo. Imaginemos que minha esposa tivesse medo de baratas (que não é o caso, pois dessa forma ela nunca trabalharia no centro de Porto Alegre!). É bem provável que realizando dedetizações mais frequentes ela pudesse vender de forma mais tranquila, com mais empenho e, consequentemente, os lucros da loja aumentariam.
É bastante comum que se confunda reforço negativo com punição. Enquanto aquele busca aumentar determinado comportamento através da retirada de um estímulo aversivo, o último é a adição de um estímulo aversivo que busca reduzir a probabilidade de um determinado comportamento. Nesse caso teríamos uma punição positiva. Um exemplo se daria caso a minha esposa faltasse o trabalho um dia e fosse descontada no seu salário. Ou seja, a falta é o comportamento que se quer reduzir, o desconto o estimulo aversivo. Assim como o reforço, há também a punição negativa, que se dá quando retira-se um estímulo reforçador do ambiente. Utilizando o mesmo exemplo, poderíamos substituir o desconto pela perda de uma folga.
Ainda que sejam técnicas bastante eficazes, há de se atentar a certos detalhes para que as mesmas funcionem de forma satisfatória. No caso da punição positiva, por exemplo, é importante que o estímulo aversivo seja inserido logo após o comportamento que se espera reduzir. Suponha que o dono da ótica resolva descontar todas as faltas de cada funcionário apenas no final do ano. É bem provável que esse nem vá mais se lembrar do porque está sendo descontado e que o comportamento de faltar ao trabalho siga ocorrendo. Da mesma forma o reforço positivo, que se dá através da repetição. Se o funcionário tiver uma meta que dificilmente é batida ela não servirá para motivá-lo a vender mais para alcançá-la.
Agora chega de vendas e vamos ao trânsito
Bem, minha ideia não era me aprofundar em técnicas de vendas, motivacionais ou comportamentais, mas contextualizar para entendermos como algumas propostas de mudanças no CTB (Código de Trânsito Brasileiro) impactarão no comportamento dos condutores caso entrem em vigor.
O Projeto de Lei 3.267/2019, entregue pelo presidente Jair Bolsonaro há aproximadamente um ano e aprovada com alterações pela Câmara dos Deputados recentemente aguarda para ser votada no Senado. Dentre outras alterações, o PL propõe que motoristas profissionais tenham o limite de pontos na sua CNH (Carteira Nacional de Habilitação) ampliado de 20 para 40 pontos. Assim, a reciclagem, que atualmente pode ser solicitada a partir dos 14 pontos até o limite de 19 pontos, passará a poder ser solicitada de 30 à 39 pontos. Na prática, a regra abrirá a possibilidade de que o condutor profissional atinja 39 pontos, faça o curso, zere o prontuário e posteriormente acumule mais 39 nos 12 meses seguintes, sem que a sua habilitação seja suspensa. Ou seja, na somatória, o PL concede ao condutor a chance de chegar a 78 pontos no mesmo ano, mantendo-se o direito de dirigir.
Ora, não é preciso nenhum curso de Psicologia para presumir o que tal regra influenciará no comportamento dos condutores, é? Apenas para esclarecer: se você achou que perder o direito de dirigir será a “meta inalcançável”, além de não entender nada do que eu expliquei sobre reforço e punição, você não conhece o trânsito brasileiro! Caso o PL entre em vigor, a meta inalcançável será continuar lutando por um trânsito menos violento, por condutores mais conscientes e educados, sobretudo esbarrando na miopia de um legislativo que parece não (querer) enxergar as consequências das próprias escolhas. Talvez o jeito seja abandonar essa meta e passar a vender óculos…
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